A investigação policial concluiu que o ex-presidente foi um dos responsáveis pela conspiração. A invasão das sedes do poder, em Brasília, a 8 de janeiro de 2023, fazia parte de um plano que terminaria com um golpe de Estado e na morte não só de Lula, mas também do vice-presidente e ainda do presidente do Supremo
A Polícia Federal do Brasil acusou esta quinta-feira o ex-presidente Jair Bolsonaro de conspirar para um golpe de Estado depois de ter perdido as eleições de 2022.
Segundo a polícia, o ex-presidente Jair Bolsonaro terá sido um dos responsáveis pela conspiração para se executar um golpe de Estado que previa deter juízes e o líder do Senado e convocar novas eleições. O relatório conclui ainda que Bolsonaro tinha “pleno conhecimento” do plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
“O relatório final foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal com o indiciamento de 37 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa”, indicou em comunicado a Polícia Federal.
O relatório, com mais de 700 páginas, foi entregue ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, acompanhado da lista de pessoas a serem indiciadas por tentativa de golpe. Além do ex-presidente, a PF concluiu que há indícios de crime de mais de 36 pessoas. Entre os nomes, estão também o do general Braga Netto, então candidato a vice-presidente nas eleições de 2022, e o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente. O julgamento pode acontecer entre Março e Abril de 2025, segundo a CNN Brasil.
A investigação aponta que a estratégia do grupo investigado se dividiu em dois. Primeiro pela propagação da versão de fraude nas eleições de 2022 e disseminação de notícias falsas sobre vulnerabilidades do sistema eletrónico de votação, discurso reiterado pelos suspeitos desde 2019 e que persistiu após os resultados da segunda volta das eleições em 2022. O segundo eixo de atuação consistiu na prática de atos para apoiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais num ambiente politicamente sensível.
A autoridade policial brasileira investigou também a relação de Bolsonaro com a invasão violenta das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de Janeiro de 2023 – que está a investigada num processo separado. Tudo indica que o ataque tinha o objetivo de semear o caos e tentar retirar do poder Lula da Silva, que tinha tomado posse há apenas oito dias, criando condições para que os militares afetos a Bolsonaro interviessem para pacificar a situação e tomar o poder.
O que aconteceu a 8 de Janeiro?
No dia 8 de janeiro de 2023, domingo, uma semana depois da tomada de posse do presidente Lula da Silva, centenas de apoiantes do candidato derrotado, Jair Bolsonaro, invadiram as sedes do poder na capital, Brasília. Impulsionados por alegações infundadas de fraude eleitoral, os apoiantes, vestidos com as cores nacionais do Brasil e a usar a camisola da seleção nacional de futebol, espalharam-se pelos principais edifícios governamentais – Congresso, Supremo Tribunal e palácio presidencial – partindo janelas, destruindo obras de arte e usando mobiliário para formar barricadas contra as forças de segurança.
Os apoiantes de Bolsonaro tinham estado acampados na capital desde a sua derrota eleitoral. O ministro da Justiça, Flávio Dino, tinha autorizado as forças policiais a montarem barreiras e a guardar o edifício do Congresso no sábado, dada a presença contínua dos acampados.
Os bolsonaristas já tinham antes entrado em confronto com as forças de segurança em Brasília, a 12 de dezembro, depois de um grupo ter tentado entrar na sede da Polícia Federal, de acordo com uma declaração das autoridades na altura. Vários campos ocupados por apoiantes do ex-presidente instalaram-se também em frente de quartéis militares, com alguns a apelarem a um golpe de Estado das Forças Armadas, o que faz recordar o regime militar de duas décadas que governou o Brasil a partir de 1964.
Lula da Silva descreveu os acontecimentos na capital como “barbárie” e disse que as falhas de segurança tinha permitido aos apoiantes “fascistas” de Bolsonaro romperem as barreiras criadas pela polícia militar no exterior do edifício do Congresso, do Supremo Tribunal e do Palácio Presidencial do Planalto
Ao final da noite, mais de 400 pessoas tinham sido detidas.
Por que motivo protestavam os bolsonaristas?
Nos meses que antecederam a derrota eleitoral, Bolsonaro semeou repetidamente dúvidas sobre a legitimidade do voto, sem citar qualquer prova para as suas várias alegações. O seu esforço para sugerir que qualquer perda seria resultado de fraude foi imediatamente comparado ao que fez o seu aliado Donald Trump, que usou táticas semelhantes durante as eleições presidenciais dos EUA em 2020.
Depois de perder por uma pequena margem na última volta, Bolsonaro intensificou essas queixas. Mas o presidente do tribunal eleitoral brasileiro rejeitou a petição de Bolsonaro para anular boletins de voto, chamando às alegações do presidente cessante, de que algumas máquinas de votação tinham funcionado mal, de serem “ridículas e ilícitas”. “Não há como contestar um resultado democraticamente divulgado com movimentos ilícitos, antidemocráticos, movimentos criminosos”, afirmou.
Bolsonaro recusou-se a admitir explicitamente a derrota. Por fim, saiu do país na véspera da tomada de posse de Lula, mudando-se para a Florida, nos Estados Unidos.
Até ao momento, o Tribunal já condenou pelo menos 279 pessoas, e validou acordos com 476 acusados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. No total, pelo menos 755 acusados viram a sua situação jurídica definida e foram responsabilizados penalmente. Bolsonaro tem negado qualquer envolvimento na tentativa de golpe de Estado e defendeu a libertação de todos os presos relacionados com o caso.
“O 8 de janeiro é obra do que chamamos de bolsonarismo. Não foi um movimento espontâneo ou desorganizado; foi uma mobilização idealizada, planeada e preparada com antecedência”, afirmou a senadora Eliziane Gama, que elaborou o relatório da investigação da comissão parlamentar aos acontecimentos. “Os executores foram insuflados e arregimentados por instigadores que definiram de forma coordenada datas, percurso e estratégia de enfrentamento e ocupação dos espaços”, acrescentou a senadora do Partido Social Democrático.
Também havia um plano para envenenar Lula
A polícia brasileira deteve esta terça-feira um general do Exército, três militares e um agente suspeitos de planearem a morte do presidente e vice-presidente e do juiz Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal. As investigações apontam para uma “organização criminosa” com “elevado nível de conhecimento técnico-militar para planear, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022”.
A Polícia Federal acrescentou que foi identificada a existência de um detalhado planeamento operacional, denominado “Punhal Verde e Amarelo”, a executar em 15 de dezembro de 2022, “voltado ao homicídio dos candidatos à presidência e vice-presidência da República eleitos”.
O relatório da PF mostra que a organização, que planeava matar o então presidente recém-reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tinha também o objetivo de “incitar” a população de direita a resistir em frente aos quartéis do Exército para criar o ambiente “propício” para um golpe de Estado. Através de vários canais, sobretudo nas redes sociais, a organização fazia ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, e divulgava fake news sobre possíveis fraudes nas eleições de 2022, que resultaram na derrota do então presidente Jair Bolsonaro.