11 De Novembro: A minha independência ainda não chegou

Hoje, se não fosse o indulto presidencial, eu estaria a cumprir o terceiro aniversário na cadeia. Sairia no dia 29 de Dezembro de 2025 — no próximo mês. Três anos de prisão carimbados até pelos tribunais superiores. Não por crime cometido, mas por ter dito o que muitos calam, por causa das conveniências e das mixas.

Carlos Alberto – Jornalista

Recusei pedir novas desculpas em tribunal, justamente em Novembro de 2023, mesmo quando me disseram que isso evitaria a prisão. Não o fiz, porque a “Constituição e a Lei não exigem submissão a um jornalista, mas justiça”. “Preferi perder a liberdade a perder a consciência”.

Pensei em recusar o indulto presidencial deste ano. Só não o fiz, principalmente, por causa da minha mãe — a mulher que me deu à luz num dia como hoje. Essa mulher incansável, que, mesmo com o corpo fragilizado, nunca deixou de me levar o seu apoio moral e material, enfrentando longas filas e olhares frios na portaria do Estabelecimento Penitenciário de Viana (EPV).

Estive preso com provas documentais ignoradas pelos tribunais, porque era preciso branquear a imagem do então vice-procurador-geral da República.

Essa era a meta… Um procurador pode usurpar terreno de um pacato cidadão e nada lhe acontece.

E ainda poderia ser, hoje, procurador-geral da República, caso fosse escolha de João Lourenço.

A verdade era apenas um detalhe inconveniente. No 11 de Novembro de 2024, a minha família chegou a preparar um bolo de aniversário. Era o seu modo humilde de transformar a dor em esperança. Mas foram humilhados à porta do EPV, impedidos de me visitar por “ordens superiores”.

O castigo vinha de mãos invisíveis; a humilhação, de dentro das instituições.Talvez quisessem que eu tirasse a minha própria vida na cadeia, com a humilhação a que fui submetido — como costuma acontecer, sem nunca ser noticiado.

Hoje, não celebro o Dia da Independência de Angola. Celebro o facto de ainda estar vivo, lúcido (talvez) e com a consciência intacta (talvez).

Porque a minha independência — e a de tantos outros — ainda não chegou.Sei que muitos se envergonham de estar conotados com um ex-presidiário.

Sinto isso no dia-a-dia. Até dirigentes evitam conceder-me entrevistas, como se o facto de eu ter estado preso anulasse a minha credibilidade profissional.

Mas quem me evita por preconceito esquece que a minha prisão foi o preço da verdade, e não o fruto de um crime — crimes esses que muitos cometem e são protegidos pelo poder.

Ainda assim, recebo carinho e respeito de pessoas que compreenderam o pano de fundo da minha prisão. O Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), a partir dos Estados Unidos da América, teve um papel fundamental na minha libertação.

Internamente, porém, a classe jornalística mostrou que os egos, os ciúmes e as intrigas continuam acima do sentido de justiça — salvo raras vozes (e sei quem são) que tiveram a coragem de escrever a defender a minha soltura.

Quando penso no sofrimento dos meus “colegas”, reclusos, que ainda lá estão, sobe-me uma indignação e um espírito de revolta.

Não consigo estar feliz enquanto há gente a apodrecer em celas por delitos menores e em condições desumanas. Se o país perdoou e até condecorou quem matou milhões de angolanos para alcançar e manter o poder, por que razão não amnistiou quem roubou uma galinha para comer? Por que razão não se perdoam crimes de pequena dimensão, mas se abençoam os grandes crimes de Estado? É isto que o país está a comemorar hoje!Angola continua a pagar o preço da incoerência moral e política.

Muitos entram no mundo do crime por causa das más políticas públicas do próprio Governo. As cadeias estão superlotadas — reflexo de uma governação que prende o pobre e perdoa o poderoso.

O verdadeiro perdão devia começar nas cadeias, não nos gabinetes. Devia nascer na Assembleia Nacional, se esta fosse uma verdadeira Casa das Leis, com deputados comprometidos com o povo que os elegeu e não com as benesses, por meio de uma amnistia geral, conforme o espírito da Constituição — e não de um indulto presidencial que escolhe pessoas a dedo.Eu fui beneficiado por esse indulto, mas não concordo com o formato.

Não dei entrevista a ninguém quando decidiram tirar-me da cadeia, porque estava emocionalmente muito revoltado.E continuo revoltado.Forçou-se uma imagem de perdão para alavancar uma alegada aceitação popular do Presidente da República, quando, na verdade, o país vale mais do que uma pessoa.

E João Lourenço não perderia nenhum crédito se a amnistia geral partisse do seu partido —que detém a maioria no Parlamento. Por isso, hoje não há festa em mim.

Há consciência.A liberdade que me deram ainda não é a liberdade que o meu país merece. A justiça ainda está longe de ser alcançada.

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