Um ditador africano tem um plano para redesenhar o mapa em África pela força. Um grupo de rebeldes pouco conhecido, apelidado de M23, ocupou uma cidade com dois milhões de habitantes, no leste da República Democrática do Congo, junto à fronteira com o Ruanda, sendo estes dois dos países mais pobres do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A origem do grupo é desconhecida para a maior parte das pessoas, mas o seu propósito e as suas operações são em semelhantes às ações de Vladimir Putin na região ucraniana do Donbass, em 2014.
A República Democrática do Congo, o 11.º maior país do mundo, conhece bem a guerra. Na província de Kivu do Norte, grupos armados e o exército do Congo lutam uma violenta batalha que fez milhares de mortos e deslocou mais de um milhão de pessoas. Este mês, o grupo rebelde M23 renovou uma ofensiva relâmpago que apanhou as forças do regime congolês de surpresa, capturando Goma, uma cidade com mais de dois milhões de habitantes. Estes rebeldes contam com o poderoso apoio da ditadura de Paul Kagame, ditador do Ruanda.
A justificação do Ruanda para apoiar estes rebeldes está ligada ao mais trágico evento da história do país, quando, entre abril e julho de 1994, um grupo de extremistas da maioria étnica hutu massacrou mais de 800 mil pessoas da minoria tutsi. O extermínio no Ruanda só terminou quando o atual líder do Ruanda, Paul Kagame, liderou um movimento armado para derrubar o governo.
O Ruanda insiste que os seus interesses no Kivu do Norte estão ligados com a necessidade de “erradicar” os responsáveis que fugiram para a região após o genocídio de 1994. Mas acima de tudo, argumenta Paul Kagame, para proteger a minoria tutsi, que foi vítima de uma das maiores matanças das últimas décadas. E o seu plano para o fazer podia ter sido desenhado no Kremlin.
Em 2014, em pleno continente europeu, Vladimir Putin pôs em prática um plano semelhante. Através de grupos armados separatistas, o Kremlin lançou uma ofensiva militar na região do Donbass, com a justificação da proteção dos cidadãos de etnia russa que habitavam na região. O presidente russo negou sempre qualquer envolvimento no apoio através da utilização de “pequenos homens verdes”, militares russos enviados para prestar apoio aos separatistas, mas que não utilizavam qualquer insígnia militar nos seus camuflados.
Sete anos mais tarde, durante a sua habitual conferência anual, Vladimir Putin admitiu que a Rússia tinha “pessoas” no leste da Ucrânia que “resolviam certas questões”, incluindo “no campo militar”. Poucos sabiam, mas nessa altura o Kremlin preparava-se para reconhecer a independência destas regiões, anexá-las e lançar uma das maiores guerras desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Algo muito semelhante foi aplicado por Paul Kagame. Durante anos, os rebeldes do M23 foram armados, treinados e dirigidos por homens do regime do Ruanda. O regime de Kagame assenta uma ditadura militar musculada, com uma das forças armadas mais disciplinadas e mais preparadas do continente. Estes militares foram cruciais na preparação e na eficácia dos ataques do movimento armado. Na verdade, mais do que proteger a população tutsi, o grupo rebelde permitiu ao regime de Kagama ocupar, de facto, uma vasta parte do território do Congo, apesar de ser uma nação bem mais pequena.
De acordo com as Nações Unidas, milhares de militares do Ruanda terão atravessado a fronteira para ajudar as operações militares no Congo. E os resultados estão a ser devastadores. Desde o final de dezembro, mais de 400 mil pessoas viram-se obrigadas a fugir das suas casas com tudo o que tinham, para a escapar à impunidade dos rebeldes armados, segundo os Médicos Sem Fronteiras.
O exército congolês, minado pela indisciplina, falta de recursos e desorganização generalizada fruto de uma situação política complexa, pouco conseguiu fazer para coordenar uma resposta. Imagens partilhadas nas redes sociais mostram que os rebeldes conseguiram contrariar não só o exército congolês, mas também a sua força aérea. Num vídeo é possível ver um Su-25 da República Democrática do Congo ser atingido por um míssil antiaéreo, resultando na destruição da aeronave. Um outro vídeo da conta de que centenas de mercenários romenos ao serviço do exército congolês teriam sido capturados pelas forças rebeldes.
A região ocupada pelos rebeldes é rica em minerais como ouro, estanho e coltan, um metal precioso fundamental para o fabrico de smartphones e de veículos elétricos. Nos últimos anos, o grupo M23 ocupou várias regiões mineiras e, segundo as Nações Unidas, envia 120 toneladas de coltan por mês para o Ruanda. Jason Stearns, um antigo investigador da ONU especialista na República Democrática do Congo, afirmou à Reuters que a exportação de minerais precisos do Ruanda duplicou em apenas dois anos, com uma parte significativa dessas exportações a virem daquele território. O Ruanda nega qualquer alegação de que esteja a explorar os recursos naturais do vizinho.
Ao contrário da Rússia, o Ruanda não tornou públicas as suas pretensões de reconhecer a independência da região ou de lançar oficialmente o seu exército para ocupar o território congolês. Mas na prática, isso pode não ser sequer necessário para o regime de Kagame. O governo congolês está a atravessar um longo período de instabilidade e o seu exército não é capaz de fazer frente às dezenas de grupos armados que ocupam partes do seu território e exploram os seus recursos.
Ainda assim, não é certo que Paul Kagame não queira aproveitar a vitória para ir mais além de Goma. E numa época em que as principais potências mundiais estão a voltar a focar o seu discurso na conquista territorial na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos, é cada vez menos provável encontrar países dispostos a travar a aquisição de território pela força.
Fonte: CNN Portugal