A meses de celebrar 50 anos de Independência, Angola vive hoje em paz, mas no coração do Bié um memorial consagrado às vítimas da guerra no Cuito, registou em pedra um passado violento que a nação não esqueceu.
Lusa
O memorial foi construído em 2003 e ocupa uma área de 75 mil metros quadrados, reunindo os restos mortais de civis e militares caídos durante o cerco à cidade do planalto central entre janeiro e outubro de 1993.
No auge do cerco, as vítimas iam sendo sepultadas pela cidade, antes de serem dignificadas neste cemitério onde jazem mais de 7.000 corpos exumados, um lugar onde a reconciliação se faz de silêncio e memória.
“Este é um local de honra. Aqui jazem os corpos de soldados, mulheres, jovens, crianças, população civil. Foi o campo santo construído pelo Estado para dignificar os que aqui tombaram”, explicou à Lusa Isaías Cristóvão Lucondo, administrador da comuna do Cunje, onde se localiza o memorial, a cerca de quatro quilómetros do centro da Cuito.
Com as forças antigovernamentais da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) às portas da cidade e a população encurralada, a batalha tornou-se um dos episódios mais sangrentos da guerra civil angolana, com um cerco que começou em 6 de janeiro de 1993, poucos meses após as eleições de 1992.
Durante o conflito, a cidade ficou praticamente destruída. A população escondeu-se como podia, enterrou os mortos junto às suas casas e enfrentou a fome, a sede e a morte com determinação, tornando-se um símbolo de resistência.
“O Cuito é hoje um símbolo de resistência, mas também de superação”, afirma Isaías Cristóvão Lucondo, considerando que o memorial é a prova de que Angola foi capaz de se reconciliar consigo mesma.
No centro do memorial ergue-se uma estátua monumental de uma mãe que carrega nos braços o seu filho morto — imagem de dor e do luto coletivo e homenagem à resistência desta cidade-mártir, onde ainda se veem edifícios marcados por buracos de balas. A recuperação urbana tem avançado lentamente, num esforço de reconstrução que se cruza com a vontade de preservar a memória.
No espaço realizam-se cultos ecuménicos e visitas turísticas, mas nem tudo está concluído: as salas de exposição continuam escassas em conteúdo museológico e a galeria central, um bloco de betão inaugurada em 2022, apresenta já sinais de desgaste.
O memorial foi construído um ano após a assinatura do memorando de paz de Luena, em 2002, entre as forças do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e da UNITA, e abriga uma área tumular com 7.034 campas numeradas, capela, casa museológica, zona escultórica, exposição de armamento pesado e o Museu da Batalha do Cuito.
Na área museológica exibem-se urnas de diferentes tamanhos, usadas nas exumações. Algumas vitrinas exibem objetos pessoais recolhidos nos escombros — documentos de identidade e pedaços de roupa — e fotografias do “antes e depois” da destruição de alguns edifícios.
Isaías Lucondo recorda o cerco como um momento dramático em que as pessoas eram alvejadas quando saíam para procurar água e alimentos, sobrevivendo munidos de fé e com o ideal de liberdade.
A batalha do Cuito evitou, segundo o responsável, que a UNITA proclamasse uma “Angola do Sul”. “A cidade era a última linha de defesa. Se caísse, teríamos um país dividido. Mas resistimos”, vincou.
O local onde agora repousam as vítimas foi inicialmente um “cemitério informal” improvisado durante o conflito, tendo sido após o fim da guerra organizada a exumação e transferência dos corpos, apenas de um dos lados beligerantes.
“Nunca tivemos aqui, formalmente, representantes da UNITA. Era importante para o processo de reconciliação que este espaço representasse todos os angolanos, porque todos perdemos. Falta-nos mais representação”, admitiu Isaías Lucondo.
“O objetivo é que esta história nunca mais se repita e que o Cuito seja símbolo de resistência, mas também de reconciliação nacional” concluiu.
Cinquenta anos após a independência de Angola, a paz está consolidada e o responsável acredita que o país está reconciliado: “A primeira reconciliação começou nos quartéis. Foram os militares que tomaram a decisão de depor as armas e de lá para cá a população aderiu. Hoje o país está reconciliado, existe paz em todo o território, as pessoas andam à vontade de um lado para o outro”.