Por decisão unilateral do Presidente da República, Angola agora tornou-se um inexpugnável “covil” de déspotas.
Na segunda-feira, uma nota do Centro de Imprensa da Presidência da República deu conta do desembarque, em Luanda, de Ali Bongo, antigo Presidente do Gabão, e sua parentela.
A nota do CIPRA refere, com orgulho, que o acolhimento, no nosso país, do antigo ditador, resultou de “démarches feitas pelo Presidente da República de Angola e Presidente em Exercício da União Africana, João Lourenço, junto do Presidente Brice Oling Nguema”.
Na manhã de segunda-feira, 12, a imprensa governamental angolana anunciou uma visita oficial de João Lourenço ao Gabão que teria como propósito o fortalecimento das relações de cooperação.
Mas, o carácter oficial da visita aparentemente oculou propósito. No mesmo dia em que chegou a Libreville e à margem da agenda oficial, João Lourenço teve um encontro privado com Ali Bongo. Três dias depois, o antigo dignitário gabonês e parentela desembarcaram em Luanda não se sabe se de passagem ou se para fixar residência.
Ali Bongo é casado com uma cidadã francesa. Por força desse laço, pode habilitar-se a residir permanentemente em terras gaulesas.
A família Bongo – pai e filho – dirigiu o Gabão como uma dinastia por longos 55 anos. O pai, El Hadj Omar Bongo Ondimba Omar, governou de 1967 até 2009, ano em que morreu. Por via de uma sucessão dinástica, o filho, Ali Bongo Ondimba assumiu o poder logo após a morte do progenitor e ali permaneceu até ser afastado compulsivamente em Agosto de 2023. Nesse ano, Ali Bongo realizou eleições e reclamou uma retumbante vitoria. A vitória eleitoral que reclamou permitiria a Ali Bongo o exercício de um terceiro mandato consecutivo, uma prática só habitual em países autocráticos.
Agastado com o resultado de eleições escandalosamente fraudulentas, o comando das Forças Armadas Gabonesas decidiu tomar o poder e enclausurou o pretenso vencedor e sua família mais próxima.
Ali Bongo e família foram colocados em prisão domiciliar pelo que as novas autoridades definiram como crime de alta traição contra as instituições do Estado e desvio de fundos públicos.
É em regime de prisão domiciliar, contudo rodeada das melhores mordomias, que Ali Bongo recebeu, na segunda-feira, 12 de Maio, a visita do Presidente de Angola.
Fontes diplomáticas angolanas disseram que a libertação de Ali Bongo, negociada por João Lourenço, enquadra-se nos “esforços regionais”, levados a cabo pelo também Presidente temporário da União Africana, “para promover a estabilidade e a reconciliação” no Gabão.
Internamente, não são reconhecidos no Presidente João Lourenço exuberantes gestos tendentes a “promover a estabilidade e a reconciliação” entre os angolanos.
Num post desta manhã na sua página do Facebook, a jornalista e socióloga angolana Luzia Moniz escreve: “Sassou Nguesso (Presidente da República de Angola) é parente, avô de dois irmãos de Ali Bongo. Por quê é que a família Bongo não se refugiu em Brazza?”.
Acusada de haver lesado o erário – o mesmo crime de que Ali Bongo é acusado no Gabão – a primogénita de José Eduardo dos Santos refugiou-se no estrangeiro.
Se, por alguma distração, ela ousar pôr os pés em Angola terá, seguramente, um carro celular à porta do avião.
A chamada “diplomacia em Libreville”, que é assim que o CIPRA baptizou a mão que João Lourenço estendeu a um déspota, não é aplicável a angolanos.